31 de mai. de 2008
A Sede Satisfeita
"MAMÃE, ESTOU COM MUITA SEDE. QUERO ÁGUA!"
Susanna Petroysan ouviu o pedido de sua filha, mas não podia fazer nada. Ela e sua filha de quatro anos, Gayaney, estavam debaixo de toneladas de aço e concreto. Ao seu lado, no escuro, estava o corpo da nora de Susanna, Karine, uma das 55 mil vítimas do pior terremoto na história da Armênia.
A calamidade nunca bate antes de entrar e, dessa vez, ela derrubou a porta.
Susanna tinha ido à casa de Karine provar um vestido. Era 7 de dezembro de 1988, 11h30 da manhã. O tremor de terra ocorreu às 11h41. Ela havia tirado o vestido e estava apenas de meias e anágua quando o quinto andar do edifício começou a tremer. Susanna agarrou sua filha e deu apenas alguns passos quando o piso se abriu e elas caíram. Susanna, Gayaney e Karine caíram no subsolo do prédio de nove andares, cercadas de escombros.
"Mamãe, eu estou com muita sede. Por favor, me dê alguma coisa para beber!"
Não havia nada que Susanna pudesse fazer.
Ela estava deitada debaixo dos escombros. Uma viga de concreto sobre sua cabeça e um cano d'água sobre os ombros a impediam de se levantar. Tateando no escuro, ela encontrou um pote de geléia que havia caído no porão. Ela deu toda a geléia para sua filha comer. Já havia passado o segundo dia.
"Mamãe estou com muita sede!"
Susanna sabia que ia morrer, mas queria pelo menos poder salvar sua filha. Encontrou um vestido, talvez fosse aquele que viera provar, e improvisou uma cama para Gayaney. Apesar de estar fazendo muito frio, ela tirou suas meias e as colocou sobre sua filha para aquecê-la.
As duas ficaram ali durante oito dias.
Por causa da escuridão, Susanna perdeu a noção do tempo. Por causa do frio, perdeu a sensibilidade dos dedos das mãos e dos pés. Por causa dessa impossibilidade de se mover, perdeu a esperança. "Eu estava apenas esperando a morte chegar!"
Ela começou a ter alucinações. Seus pensamentos vagueavam. De vez em quando um sono providencial a livrava dos horrores do sepultamento: o frio, a fome, ou, mais freqüentemente, a voz de sua filha.
"Mamãe, estou com sede."
Em algum ponto daquela noite eterna, Susanna teve uma idéia. Ela se lembrou de um programa de televisão em que um explorador do Ártico estava morrendo de sede. Seu companheiro deu um corte profundo na mão e deu seu próprio sangue para ele beber.
"Eu não tinha água, nenhum suco de fruta, nenhum líquido. Foi aí que me lembrei que tinha meu próprio sangue!"
Tateando com os dedos dormentes de frio, encontrou um pedaço de vidro quebrado. Abriu com ele o dedo polegar da mão esquerda e o deu para sua filha chupar.
As gotas de sangue não eram suficientes, "Por favor, mamãe, um pouco mais. Corte outro dedo." Susanna não se lembra de quantas vezes teve que se cortar. Ela sabe apenas que, se não houvesse feito isto antes, Gayaney teria morrido. Seu sangue era a única esperança de sua filha.
"Este cálice é a nova aliança em meu sangue", explicou Jesus, apontando para o vinho.
Esta afirmação deve ter causado admiração aos apóstolos. Eles haviam aprendido a história do vinho da Páscoa. Ele simbolizava o sangue do cordeiro com que os israelitas, escravos do Egito no passado, haviam pintado os umbrais das portas de suas casas. Aquele sangue guardou seus lares da morte e salvou seus primogênitos. Ele os ajudou a se livrar do cativeiro egípcio.
Por muitas gerações, os judeus observaram a Páscoa, sacrificando um cordeiro. Todo ano o sangue era derramado, e todo ano o livramento era celebrado.
A lei exigia o sangue de um cordeiro. Isto era suficiente.
Era suficiente para cumprir as exigências da lei. Era bastante para atender ao mandamento. Era suficiente para atender à exigência da justiça de Deus.
Mas não era suficiente para retirar o pecado.
"... porque é impossível que o sangue de touros e de bodes tire pecados."
Os sacrifícios podiam oferecer soluções temporárias, mas somente Deus pode oferecer solução eterna. Assim Ele o fez. Debaixo dos escombros de um mundo decaído, Ele feriu suas mãos. Nos destroços de uma humanidade, Ele feriu o seu lado. Seus filhos estavam soterrados, então ele lhes deu seu próprio sangue.
Era tudo o que ele tinha. Seus amigos tinham desaparecido. Suas forças estavam diminuindo. Seus bens haviam sido roubados. O próprio Pai lhe havia escondido o rosto. Seu sangue era tudo o que tinha. Mas seu sangue foi suficiente. ‘Se alguém tem sede, venha a mim e beba’.
Não é fácil admitir que temos sede. Fontes falsas aclamam nossa sede com goles açucarados de prazer. Mas chega o momento em que o prazer não satisfaz. Vem a hora tenebrosa da vida em que o mundo cai e somos soterrados nos escombros da realidade, chamuscados e moribundos.
Alguns preferem morrer a admitir que têm sede. Outros admitem e escapam da morte.
"Senhor, eu preciso de ajuda!" Por isso os sedentos vêm. Somos um grupo de esfarrapados, unidos por sonhos irrealizados e promessas fracassadas. Riquezas que nunca acumulamos. Famílias que nunca construímos. Promessas que nunca cumprimos. Crianças de olhos arregalados soterradas no subsolo de nossos próprios fracassos. Estamos com muita sede.
Não é sede de fama, riqueza, paixão ou romance. Já bebemos de tudo isto. São águas amargas no deserto. Elas não matam a sede - elas matam a nós.
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça..."
Justiça. Isto mesmo. É disto que temos sede. Temos sede de uma consciência tranqüila. Desejamos uma vida limpa. Queremos um novo começo. Pedimos que uma mão entre na escura caverna de nosso mundo e faça por nós uma coisa que não podemos fazer — tornar-nos retos novamente.
"Mamãe, estou com sede", rogava Gayaney.
"Foi aí que me lembrei que tinha meu próprio sangue", explicou Susanna.
E, então, o dedo foi cortado, o sangue foi derramado e a criança foi salva.
"Deus, estou com sede", oramos.
"Isto é o meu sangue, o sangue da nova aliaça, o qual é derramado por muitos para remissão dos pecados", declara Jesus.
E sua mão foi ferida, o sangue derramado, e os filhos foram salvos.
Max Lucado
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