Parte 2
A carreira profética de Isaías tem início, como ele mesmo diz, no reinado de Uzias, ou Azarias. Neste sentido, é razoável a suposição de que ele iniciou seu ministério cerca de um ou dois anos antes do término do referido reinado. Por essa época, Uzias estava leproso e habitava numa casa separada, enquanto Jotão, seu filho, governava e dirigia os negócios do reino. As primeiras profecias de Isaías, isto é, os capítulos I a V, foram escritas, provavelmente, nesse período. No ano da morte de Uzias, possivelmente antes do acontecimento, embora isso não seja comprovado, Isaias teve a visão que está registrada no capítulo VI, recebendo a renovação do seu chamado de maneira solene. É interessante observar, no entanto, que não se pode atribuir nenhum de seus escritos ainda existentes, exceto o capítulo VI, ao período seguinte de dezesseis anos. Parece claro que, durante o reinado de Jotão, Isaías se manteve em silêncio. Contudo, com a subida ao trono de Acaz, filho de Jotão e pai de Ezequias, em 743 a.C., tem início o período principal de atividade profética de Isaías.
As profecias de 7:1 a 10:4 têm conexão estrutural entre si e guardam uma unidade de propósitos, formando um corpo único, bem como, claramente, percebe-se que pertencem ao período do reinado de Acaz, no qual o reino de Judá esteve envolvido em guerra contra os assírios. Uma profecia em 14:28-32 é atribuída pelo próprio Isaías ao último ano do referido rei. Nesse ponto, a energia profética de Isaías, aparentemente, entra numa fase um tanto ou quanto irregular. Não obstante, daí em diante elas recomeçam a fluir mais livremente, numa seqüência contínua. Existe razão suficiente para se atribuir ao reinado de Ezequias a série de profecias que se seguem a 10:5, com exceção somente da curta profecia contra os filisteus, no último ano de Acaz.
O conteúdo dessas profecias se distribuem nos diferentes períodos do reinado de Ezequias e demonstra a contínua atividade do profeta durante o referido reinado. Contudo, é duvidosa a afirmação de que a carreira profética de Isaías tenha durado até os primeiros anos do reinado de Manassés. Não obstante, uma parte de suas profecias é atribuída, por alguns estudiosos, ao tempo do filho de Ezequias, visto que a tradição judaica diz que o profeta faleceu no reinado desse monarca.
A estimativa anunciada linhas acima de que Isaías viveu no período de 780 a 690 a.C. faz dele, de fato, um contemporâneo de Manasses pelo espaço de nove anos. Para corroborar tal assertiva, a tradição rabínica afirma, justamente, que o profeta faleceu no reinado desse monarca, bem como declara que sua morte foi precedida de um horrível e doloroso martírio. Por ter se contraposto a algumas ordens e a alguns atos de idolatria de Manasses, Isaías foi preso por determinação do rei, foi pregado entre duas traves de madeira e foi serrado ao meio. A referência a esse tipo de tortura, na carta aos Hebreus, é considerada por muitos teólogos como uma alusão ao martírio de Isaías (Hb 11.37).
A personalidade do profeta Isaías merece ser ressaltada por sua seriedade, retidão e coragem ao denunciar as misérias do povo hebreu. Como se pode deduzir, ele viveu sob o reinado de cinco diferentes reis dos quais apenas um homem religioso e temente a Deus. Todavia, ele se manteve, em relação a todos esses monarcas, numa atitude de firmeza, sem jamais comprometer-se com as corrupções da corte e, sobretudo, sendo fiel a Deus. Ele dizia tudo o que era para ser dito, sem omitir nada, não se importando em obter favores da corte. A um rei ele disse: —Ouvi, agora, ó casa de Davi: acaso, não vos basta fatigardes os homens, mas ainda fatigais também ao meu Deus? (7.13) — E a outro ele não se intimidou em dizer — Põe em ordem a tua casa, porque morrerás e não viverás (38.1).
Ele era mais corajoso ainda ao enfrentar os nobres e a influente classe dos oficiais da corte, a qual tinha a incumbência de administrar os negócios do reino, sendo inescrupulosos no trato com seus adversários. Isaías denunciava as injustiças cometidas por essas pessoas em termos bastante severos, não lhes poupando acusações de opressão, de indignidade, de sexualidade, de orgulho e de rebeldia para com Deus. De igual modo, o profeta não busca os favores do povo. Ele denuncia a cidade de Jerusalém que antes fora fiel a Deus, mas agora se tornara uma prostituta (1.21). A nação é classificada por Isaías como uma nação pecaminosa, sendo o seu povo carregado de iniqüidades, raça de malignos e filhos corrompidos que abandonaram o Senhor e blasfemaram contra o Santo de Israel (1.4). O profeta denuncia que o povo se aproxima de Deus por interesse e o honra da boca para fora, enquanto o seu coração está longe do Senhor e o seu temor se resume a mandamentos de homens aprendidos maquinalmente (29.13). Ele também acusa o povo de ser rebelde, filhos mentirosos que não querem ouvir a Lei de Deus (30.9).
Contudo, essa severidade e essa coragem na defesa das coisas de Deus, não se importando em agradar a homens, é contrabalançada por seu notável carinho e compaixão pelas pessoas que caíram e provocaram a ira de Deus. O profeta não apenas chora amargamente. Ele se recusa a ser confortado em função da ruína da filha do seu povo (22.4), bem como clama pelas nações estrangeiras, como por exemplo, por Moabe, as quais também despertam a sua compaixão e, igualmente, fazem o profeta pranteá-las com tristeza (15.5).
Isaías detesta o pecado, mas ele se condói muitíssimo diante do destino dos pecadores. Pela própria Babilônia, ele diz que está cheio de angústia, que dores se apoderaram dele como se fosse uma mulher em trabalho de parto, fazendo-o contorcer-se de dores, sem poder ouvir, desfalecendo sem poder enxergar. Seu coração cambaleia e o horror o amedronta e, à noite, quando deseja dormir, o profeta é tomado de tremores (21.3-4). E, na medida que ele se compadece com as calamidades e com os sofrimentos das nações, assim também ele abre seu coração e a sua compreensão para se alegrar com a prosperidade e a exaltação dessas nações, orando para que elas sejam admitidas no reino do Messias de Israel.
Isaías não demonstra qualquer tipo de preconceito, nem exalta o seu povo como raça privilegiada, nem mesmo como alvo das promessas de Deus. No entanto, ele não é tão cosmopolita assim, a ponto de ser destituído de patriotismo, ou de ver sem preocupação as coisas que afetam a prosperidade, a alegria e o bem-estar do seu país, da sua cidade e de seus compatriotas. Seja a Assíria e Efraim que planejam contra Judá, ou seja Senaqueribe que tenta invadir seu país, ele se mantém igualmente indignado e cheio do sentimento de que seu povo foi desrespeitado (7.5).
Contra a Babilônia, a devastadora que condenou à destruição a cidade de Jerusalém e assolou a Terra Santa, ele alimentou uma profunda hostilidade, a qual aparece em quase todos os capítulos do livro.
Excelente!!!
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