Parte 3
Novamente, contra os inimigos de Deus ele dispara, não apenas uma chuva de indignação e de raiva, mas também as afiadas flechas do seu sarcasmo e da sua ironia. Uma delicada veia satírica está presente na descrição da luxúria feminina (3.16-24). Um amargo sarcasmo pontua a descrição de Rezim e do filho de Remalias — dois tocos de tições fumegantes (7.4). Contra os idólatras uma retórica até certo ponto vulgar e grosseira é empregada: — (44:12-17) O ferreiro faz o machado, trabalha nas brasas, forma um ídolo a martelo e forja-o com a força do seu braço; ele tem fome, e a sua força falta, não bebe água e desfalece. O artífice em madeira estende o cordel e, com o lápis, esboça uma imagem; alisa-a com plaina, marca com o compasso e faz à semelhança e beleza de um homem, que possa morar em uma casa. Um homem corta para si cedros, toma um cipreste ou um carvalho, fazendo escolha entre as árvores do bosque; planta um pinheiro, e a chuva o faz crescer. Tais árvores servem ao homem para queimar; com parte de sua madeira se aquenta e coze o pão; e também faz um deus e se prostra diante dele, esculpi uma imagem e se ajoelha diante dela. Metade queima no fogo e com ela coze a carne para comer; assa-a e farta-se; também se aquenta e diz: Ah! Já me aquento, contemplo a luz. Então, do resto faz um deus, uma imagem de escultura; ajoelha-se diante dela, prostra-se e lhe dirige a sua oração, dizendo: Livra-me, porque tu és o meu deus”.
Mas, enquanto o profeta reserva seu sarcasmo para certas ocasiões raras, ele, ao mesmo tempo, se mostra um mestre nisso, colocando uma torrente de escárnio sobre quem o provoca, desarmando seus desafetos de suas pretensões.
Duas outras qualidades devem ser observadas em Isaías, sua espiritualidade e seu tom de profunda reverencia a Deus. A formalidade, a superficialidade e as manifestações religiosas, não têm valor para ele em nenhuma circunstância, pois nada é mais importante para o profeta do que o homem interior, a espiritualidade e o coração humano. Os templos não tem valor para ele (66.1), como também os sacrifícios (1.11-13), a observância de determinados dias (1.14) e a convocação às congregações (1.13). E, assim, para Isaías, diante do Deus Altíssimo somente tem valor a verdadeira pureza de vida e de um coração obediente (1.19), bem como a retidão de um espírito humilde e contrito (66.2).
Neste sentido, as imagens que o profeta emprega, segundo as circunstâncias, para descrever as condições espirituais, são retiradas de coisas materiais e das situações apresentadas pelo meio-ambiente em que vive o ser humano. Todavia, não são imagens tendenciosas, embora algumas vezes tais imagens não sejam congruentes umas com as outras (66.24). Contudo, a reverência de Isaías em relação a Deus é profunda. Ele se utiliza, freqüentemente, de títulos como “O Santo de Israel”, para se referir ao Senhor. Noutras vezes, ainda mais enfaticamente, ele usa a expressão “o Santo”, ou “o Alto, o Sublime que habita a eternidade” (57.15). Deus é para o profeta, primariamente, um ser que lhe provoca, ao mesmo tempo, reverente temor e espanto. “Santificai-vos ao Senhor dos Exércitos”, ele exclama, “e seja Ele o vosso temor e o vosso espanto” (8.13), e novamente ele diz: — “Vai, entra nas rochas e esconde-te no pó, ante o temor do Senhor e a glória da sua majestade” (2.10). É como se a lembrança da sua visão de Deus jamais o abandonasse, como se o profeta continuasse a falar do trono onde ele vira Deus (6.1-5).
Isaías chegou à maturidade vivendo na Judéia, durante o período da existência dos dois reinos, o Reino de Israel, Reino do Norte, e o Reino de Judá, ou Reino do Sul. Israel, o reino estabelecido por Jereboão após a morte de Salomão, estava chegando próximo do seu aniquilamento. Depois de ter existido por quase dois séculos, sob o governo de dezoito monarcas de oito diferentes famílias, bem como com dificuldades para manter sua independência contra os ataques dos vizinhos do Norte, os sírios de Damasco, os israelenses estavam a ponto de sucumbir ao poderio do Império Assírio.
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