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31 de out. de 2008

O andarilho


Sentei com dois amigos, junto à janela panorâmica de um antigo restaurante, na esquina da praça da cidade. A comida e a companhia eram ambas, especialmente, boas naquele dia.
À medida que conversamos, minha atenção foi dirigida para o que se passava na rua. Ali, andando pela rua, estava um homem que parecia estar carregando todos os seus pertences nas suas costas. Ele estava carregando também um bem usado cartaz que dizia: “Eu trabalharei por alimento”. Meu coração entrou em colapso.
Chamei a atenção dos meus amigos para aquele homem e percebi que outras pessoas em volta de nós havia parado de comer para prestar atenção nele. Cabeças se moveram, numa mistura de tristeza e incredulidade.
Continuamos com nossa refeição, mas a imagem daquele homem ficou na minha mente. Terminamos nossa refeição e seguimos, cada um, os nossos caminhos. Eu tinha tarefas a realizar e rapidamente parti para cumpri-las. Dei uma olhada para a praça, buscando, mais ou menos, por aquele estranho. Eu estava assustado, sabendo que vê-lo novamente me chamaria à responsabilidade. Dirigi pela cidade e não o vi. Adquiri algumas coisas numa loja e voltei para meu carro.
Lá no fundo do meu coração, o Espírito Santo estava me dizendo — Não volte para o escritório, até que, pelo menos, você dê mais uma volta por aquela praça.
Então, um pouco em dúvida, voltei para a praça.. Quando contornei a terceira esquina da praça, eu o vi. Ele estava em pé nas escadas de uma loja em frente à igreja, mexendo nos seus pertences.
Parei e olhei, sentindo-me, ao mesmo tempo, compelido a falar com ele e a dar meia volta e ir embora. O espaço vazio no estacionamento da esquina pareceu-me um aviso de Deus, um convite a estacionar. Estacionei o carro, abri a porta, saí e me aproximei daquele homem.
— Procurando pelo pastor? — Perguntei.
— Não propriamente, estou apenas descansando — Ele respondeu.
— Você se alimentou hoje?
— Oh, comi alguma coisa hoje de manhã cedo.
— Você gostaria de almoçar comigo?
— Você tem algum trabalho que eu possa fazer?
— Nenhum trabalho — respondi — Eu paro aqui para trabalhar, vindo da cidade, mas eu gostaria de levá-lo para almoçar.
— Claro. — Respondeu ele com um sorriso. Enquanto ele recolhia suas coisas, lhe fiz algumas perguntar superficiais.
— Você está indo pra onde?
— São Luiz.
— Está vindo de onde?
— Oh, por aí, da Flórida.
— Há quanto tempo você está caminhando?
— Quatorze anos — foi sua resposta.
Eu sabia que havia encontrado alguém diferente. Sentamo-nos de frente um para o outro, no mesmo restaurante em que eu havia estado mais cedo. Sua face estava marcada pelo exposição ao tempo, bem além dos seus 38 anos. Seus olhos eram escuros, ainda que claros, e ele falava com uma eloqüência e articulação que eram surpreendentes. Ele tirou sua jaqueta, revelando uma camiseta vermelha clara, onde estava escrito “ Jesus é a História que nunca terminou”.
Então, a história de Daniel começou a se desenrolar. Ele havia passado por muitas dificuldades no início de sua vida. Ele fez algumas coisas erradas e sofreu as conseqüências. Há catorze anos atrás, enquanto andava com sua mochila pelo país, ele parou em Daytona Beach. Tentou ser contratado por alguns homens que estavam erguendo uma enorme tenda e montando alguns equipamentos. Uma apresentação musical, ou um concerto, ele pensou.
Ele foi contratado, mas a tenda não era para um show musical, mas para Culto Evangélico de Avivamento. E naqueles cultos ele viu a vida mais claramente, e ali ele entregou sua vida a Deus.
— Nada foi igual depois disso. — ele disse — Senti o Senhor me dizendo que continuasse a caminhar e, assim, eu fiz nestes catorze anos.
— Você nunca pensou em parar? — Perguntei.
— Oh, uma vez ou outra, quando parecia que aquilo estava tirando o melhor de mim. Mas Deus havia me chamado para isso. Eu distribuo Bíblias. É isso o que contém minha mochila. Trabalho para comprar alimento e Bíblias. E eu as dou sob a orientação do Santo Espírito.
Fiquei maravilhado. Meu amigo andarilho não era um homem da rua. Ele estava em missão e vivia aquela vida por escolha própria, atendendo a um chamado de Deus. A pergunta queimou dentro de mim e eu a fiz: — E como é isso?
— O quê?
— Entrar andando numa cidade, carregando todas as suas coisas nas costas e mostrando esse cartaz?
— Oh, no princípio, era humilhante. As pessoas olhavam e faziam comentários. Uma vez alguém atirou-me um pedaço de pão já meio comido e fez um gesto que, certamente, não me fez sentir bem-vindo. Mas, então, tive a humildade de reconhecer que Deus estava me usando pra tocar vidas e mudar o conceito das pessoas a respeito de pessoas como eu.
Minha maneira de pensar estava mudando também. Terminamos a sobremesa e recolhemos suas coisas. Lá fora, ele parou, voltou-se para mim e disse: — ‘Vinde, bendito de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes’.
Senti-me como se estivesse na terra santa. — Será que você pode usar uma outra Bíblia? — Perguntei.
Ele disse que preferia tal tradução. Era fácil de transportar e não era muito pesada. Essa era, ainda, a sua favorita. — Já a li 14 vezes — Ele disse.
— Não estou certo de que tenhamos uma dessa, mas vamos parar na nossa igreja e verificar. — Eu queria encontrar uma Bíblia para meu amigo que fosse melhor e mais fácil de carregar. Ele, por sua vez, parecia estar grato por isso.
— A onde você pretende ir daqui? — Perguntei.
— Bem, eu encontrei esse pequeno mapa nas costas desse bilhete de estacionamento.
— Você está esperando ser contratado lá por algum tempo?
— Não! Apenas imaginei que deveria ir lá. Imagino que alguém, debaixo daquela estrela lá, precisa de uma Bíblia. Assim, é para lá que estou indo a seguir.
Ele sorriu, e o calor do seu espírito irradiava a sinceridade da sua missão. Eu o levei de volta à praça da cidade, onde havíamos nos encontrado duas horas atrás. Começava a chover. Estacionei e ajudei a desembarcar suas coisas.
— Você pode assinar meu livreto de autógrafos? — Ele pediu — Gosto de guardar mensagens dos amigos que encontro.
Escrevi no seu livreto que o seu compromisso com o chamado divino havia tocado a minha vida. Encorajei-o a se manter forte. E, finalmente, deixei-o com um versículo bíblico de Jeremias — Eu sei os planos que tenho para você, declara o Senhor, ‘ planos para fazê-lo prosperar e não para causar-lhe mal algum; planos para lhe dar um futuro e uma esperança’.
— Obrigado, amigo — Ele disse — Sei que acabamos de nos encontrar e somos, certamente, estranhos, mas eu amo você.
— Eu sei. Eu amo você também. Deus é bom!
— Sim, Ele é.
— Quanto tempo faz que alguém lhe fez um carinho? — Perguntei.
— Ah, faz muito tempo!
E assim, na movimentada esquina da rua, no meio da chuva fria, eu e meu novo amigo nos abraçamos. E senti profundamente que eu havia mudado. Ele colocou suas coisas nas costas, sorriu seu sorriso vitorioso, e disse — Vejo você na Nova Jerusalém.
— Estarei lá! — Foi a minha resposta.
Ele começou sua jornada outra vez. Seguiu com seu cartaz pendurado no cinto e seu pacote de Bíblias. Mais à frente, parou, voltou-se e disse — Quando você vir algo que o faça lembrar-se de mim, você orará por mim?
— Pode apostar que sim — Gritei — Deus o abençoe.
— Deus o abençoe também. — E essa foi a última vez que o vi.
Mais tarde, naquela noite, quando saí do escritório, o vento frio soprava forte. Uma frente fria havia caído sobre a cidade. Corri para o carro. Quando sentei e busquei o freio de mão, eu as vi... um par de bem usadas luvas de trabalho, deixadas no punho do freio. Peguei-as e pensei no meu amigo, preocupando-me se as suas mãos estariam aquecidas naquela noite, sem suas luvas.
Aí, então, lembrei-me de suas palavras: “Se você vir algo que o faça pensar em mim, você orará por mim?”
Hoje aquelas luvas estão na minha escrivaninha, no meu escritório. Elas me ajudam a ver o mundo e as pessoas de uma nova maneira. E elas também me ajudam a lembrar daquelas duas horas com meu singular amigo. E eu oro, então, pelo seu ministério. “Vejo você na Nova Jerusalém”, ele disse. — Sim, Daniel, sei que nos veremos lá.
Autor desconhecido
Tradução livre de Pedro Corrêa Cabral

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