
Parte 14
Por outro lado, os últimos capítulos do Livro de Isaías, esses mesmos que são questionados, foram claramente aceitos por escritores do Novo Testamento e por seus contemporâneos. Como exemplos, pode-se citar Mateus, o qual em 3:3 de seu Evangelho diz — Porque este é o referido por intermédio do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. — e João que em 12:38 diz — para se cumprir a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? (Is 53.1). Muitas outras passagens desse mesmo jaez poderiam ser mencionadas.
Poder-se-ia argumentar que a maior parte dos escritores do Novo Testamento era constituída de pessoas rudes, semi-analfabetas e de pobre senso crítico. Contudo, ainda assim, tem-se o testemunho do apóstolo Paulo, o qual era um homem culto, tendo sido criado “aos pés de Gamaliel” (At 22.3) e fora instruído sobre as Escrituras. Neste sentido, é quase certo que este apóstolo teria notícias, caso os judeus instruídos de seu tempo reconhecessem dois “Isaías”, ou se houvesse ocorrido a incorporação das profecias de um autor desconhecido, do período do exílio babilônico, nas do primeiro “Isaías”. Igualmente, o historiador Josefo era também alguém de considerável cultura e estava afeito às pesquisas. Entretanto, Josefo não faz qualquer citação de um segundo “Isaías”. Ao contrário, ele atribui a Isaías, o único, a composição das profecias a respeito de Ciro, assim dizendo:
“Isso era do conhecimento de Ciro pela leitura do livro onde Isaías havia escrito suas profecias; uma vez que esse profeta disse que Deus havia falado a ele numa visão: ‘Minha vontade é que Ciro, a quem eu designei para ser rei sobre muitas e grandes nações, mande de volta o meu povo para a sua própria terra, e reconstrua meu Templo’. Isso foi profetizado por Isaías cento e quarenta anos antes do Templo ser destruído”.
Pode-se ter, assim, um razoável grau de confiança, mesmo porque a tradição judaica afirma que o Livro de Isaías é um trabalho literário por inteiro, e não a reunião de diversas profecias de várias épocas, elaboradas por vários autores.
Ben Ezra, um autor que escreveu no século XII d.C., foi o primeiro crítico a sugerir que as profecias dos capítulos 40 a 66 podiam não ser do trabalho original de Isaías. Entretanto, é forçoso observar que, antes de Ezra e até o final do século XVIII, nenhuma sombra de dúvida foi levantada a esse respeito. O livro de Salmos, por exemplo, é conhecido por ser uma composição de vários autores. Igualmente, o livro de Provérbios é, declaradamente, uma composição de quatro coleções de escritos. Todavia, o Livro de Isaías sempre foi considerado pela maioria dos estudiosos, tanto os antigos como os atuais, como um trabalho contínuo de um único e mesmo autor.
Além disso, existem evidências internas que corroboram a assertiva acima. Tais evidências podem ser anunciadas em cinco pontos a saber:
1. A grandeza, a qualidade e a genialidade demonstrada pelo autor.
2. A semelhança da linguagem e da construção gramatical em toda extensão da obra.
3. A semelhança entre as idéias, entre as imagens e entre as figuras de retórica.
4. A semelhança em pequenas expressões que caracterizam o autor.
5. A correspondência, no que se refere à repetições, e, nos capítulos finais, a complementação de idéias que ficaram incompletas nos capítulos iniciais.
Cada um desses pontos são a seguir comentados, visando a uma argumentação mais consistente.
1. É universalmente aceito pelos críticos e estudiosos que a genialidade, a grandeza e a qualidade dos escritos reconhecidos como de Isaías é algo de extraordinário e transcendente, em relação a todos os demais escritores da Bíblia, e mesmo da história do mundo, visto que poucos possuíam tais atributos. Tal genialidade é reconhecida como uma qualidade singular, marcada por uma sublimidade e uma profusão de idéias novas, cujas forças variam e são autocontroladas, de forma a manter o discurso livre de expressões bombásticas ou extravagantes. Seguramente, a mesma genialidade, que aflora nos capítulos iniciais, está presente naqueles que são questionados, demonstrando a unidade de todo o trabalho. A sublimidade encontrada nos capítulos 52 e 53 acontece por todos os lados, sendo a mesma que aparece no capítulo 40, em 43:1-4 e em 63:1-6. Transcreve-se estas duas últimas passagens para que o leitor perceba tal sublimidade — Mas agora, assim diz o Senhor, que te criou, ó Jacó, e que te formou, ó Israel: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu. Quando passares pelas águas, eu serei contigo; quando, pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque eu sou o Senhor, teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador; dei o Egito por teu resgate e a Etiópia e Sebá, por ti.Visto que foste precioso aos meus olhos, digno de honra, e eu te amei, darei homens por ti e os povos, pela tua vida (43:1-4) — Quem é este que vem de Edom, de Bozra, com vestes de vivas cores, que é glorioso em sua vestidura, que marcha na plenitude da sua força? Sou eu que falo em justiça, poderoso para salvar. Por que está vermelho o traje, e as tuas vestes, como as daquele que pisa uvas no lagar? O lagar, eu o pisei sozinho, e dos povos nenhum homem se achava comigo; pisei as uvas na minha ira; no meu furor, as esmaguei, e o seu sangue me salpicou as vestes e me manchou o traje todo. Porque o dia da vingança me estava no coração, e o ano dos meus redimidos é chegado. Olhei, e não havia quem me ajudasse, e admirei-me de não haver quem me sustivesse; pelo que o meu próprio braço me trouxe a salvação, e o meu furor me susteve. Na minha ira, pisei os povos, no meu furor, embriaguei-os, derramando por terra o seu sangue (63:1-6).
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